sábado, 1 de maio de 2010

Quem roubava as calças?



Quatro homens sempre se reuniam no Largo Velho, bem próximo á Igrejinha de Nossa Senhora do Rosário. Sentavam – se no banco que a Dona Dinda colocava em frente á sua pensão. Em frente e ao redor da pensão algumas árvores refrescavam o ambiente. E ao findar do horário do jantar, que, coincidia com o cair crepuscular da noite, as pessoas iam se reunindo para um longo bate papo. A meninada saltitante pulava corda, brincava de amarelinhas e jogava queima.
As noites frias de junho, julho eram enigmáticas; pois o céu plumboso ganhavam fascínio especial quando em noites de luas nova e cheia , iam brotando devagar por detrás do cachoar da cachoeira e ia se irmanando com o coruscar das estrelas , ao som da cri – cri dos grilos e do pio e pio das corujas.
A rodinha de conversa mais famosa era a dos senhores Osmar, Tales, Teixeira e Lister. Costumeiramente proseavam muito naquele banco da Dona Dinda. Dizia o senhor Teixeira que uma mulher surgia das águas do rio do Carmo em meio à cerração e costumava vagar por entre as ruas da Vila depois das dez horas da noite.
Ainda bem que minha mulher neste horário já está no quinto estágio do sono - Comentou Sr. Teixeira, palitando os dentes com o fósforo que acendeu o seu charuto.
- Mas depois das dez a Vila se torna um deserto. Não se vê uma alma viva. Nem aqui e nem no Largo do Carmo - disse apontando para o lagradouro que distava dali uns quatrocentos metros – alertou Lister.
- É mais essa tal mulher encanta e seduz o primeiro que aparece – disse Teixeira olhando de soslaio .É uma devoradora sexual.Ela seduz o cabra e ainda deixa – o sem calças e tem muita gente chegando de cuecas em casa – completou Teixeira dando risadas enquanto uma borboleta voejava a sua cabeça.
- Sabe o que vou fazer. Vou ficar de prontidão depois das dez horas; pois essa conversa vem passando de boca em boca na vila – disse Osmar.
- Como pode um caboclo ficar de cuecas pelas ruas, não vai ficar dando sopa para o azar, ele vai dar um jeito de se arrumar, vejo nisso uma balela – protestou Lister.
- Pensando bem a gente devia averiguar esse assunto, afinal somos todos casados – alertou Osmar.
- Por acaso em sua casa tem aparecido alguma calça estranha? – Perguntou Teixeira
- Esta insinuando o quê? Minha mulher trabalha o dia todo, quando cai na cama ela desmaia; além do mais isso é lenda, desde quando uma mulher vai surgir de um rio – respondeu Osmar.
Lister que estava com os pés inchados usava compressas de arnica, olhou para o Sr, Tales, coçou a cabeça, franziu a testa e disse:
- E a Sereia não é uma mulher meio peixe, meio mulher que aparece nos rios, ela pode ser uma mulher de verdade, ao invés de ser metade peixe; e o boto que sai das águas do rio Amazonas e seduz as mulheres casadas, enquanto nada se prova ao contrário, tudo é verdade- explicou, Instantes depois levantou – se despediu – se de todos e saiu mancando com um ar de preocupado.
- É esta conversa esta se espalhando pela vila – analisou Lister.
O murmúrio da conversa atraiu o Sr. Geraldo que passava galopando em seu cavalo. Ele parou o animal e apeou . Chegou falante e alegre.
- Que conversa é essa que todos comentam? O Sr. Aparecido estava falando no bar de D. Ana Jaca Sosinha que tem uma moça muito bela que anda pela noite e seduz e ainda rouba as calças do cabra.
A conversa foi se alastrando, mais e mais. A Vila tinha cinco pensões, geralmente de uso dos tropeiros. Mas, aos poucos a Vila do Carmo da Franca tornou - se atração turística e todos os leitos das pensões estavam tomados .
As ruas da Vila ficaram cheias de cavalos presos nos arreames .Era gente de Lagoa das Eguas , de Santa Rita , do Arraial da Farinha Podre e o que não faltava nas mochilas eram calças. Todos queriam conhecer a tal Sereia e perder as calças para ela.
A movimentação mudou a rotina da Vila. 0s botequins não fechavam mais cedo. Homens que andavam com um tipo de mochila a tiracolo, onde haviam calças guardadas.
E entre os hóspedes havia um homem meio efeminado que vivia andando com um charuto á boca que estava hospedado na pensão da D. Zuleica. Esse homem era conhecido como Pedro Maricas, desde quando chegou andava acompanhado de um homem de pele alva, olhar sombreado, lábios de traços rococó que muitos julgavam ser uma mulher. Olhar e trejeito de mulher, porém postura de homem. O senhor Maricas tinha de fato uma voz trépida, típica de um homossexual, porém impunha respeito, pois de corpo robusto e atarracado ; e o seu amigo, o Ernesto Audaz não se definia, ou homem ou mulher de uma voz solene e pausativa e um trejeitoso andar, fazia uso de um chapéu também preto cuja aba escondia um de seus olhos que quando desejava os tornava ora taciturno, ora penetrantes.
Maricas dizia sondar a Vila e região porque pretendia abrir negócio e nunca dizia qual. Mais curioso é que para passear o senhor Maricas, não passeava com o seu amigo Audaz. O seu amigo era de hábitos mais diurnos. Nos botequins Ernesto Audaz dizia ser comerciantes de diamantes que comprava – os na serra da Canastra em Minas para revendê – los.
Uma bela mulher também passeava pela Vila. Corpulenta, seios volumosos, lábios rubros ,longos cabelos ondeados , um olhar brilhante e vivo. Desde que chegou hospedava-se na pensão de D. Clarinda. Era raro uma mulher andar sozinha, sobretudo numa cidade desconhecida. Dizia, Cláudia pretender abrir um ateliê de costura.
Enquanto essas três pessoas eram os novos integrantes da vila do Carmo, as mulheres começaram a perder o sono. Muitas delas passaram a sair de casa a procura de seus maridos que também freqüentavam a noite após as dez.
A noite, a madrugada passou a ter outra vida. O Padre Carmim durante a sua pregação dizia que a Vila precisa voltar a vida normal e que esse agito é porque todos se rendiam as crenças populares e as conversinhas de rua
O Senhor Teixeira em sua rodinha dizia aos seus amigos.
- É, esta cidade virou um pandemônio.A minha mulher agora deu para conferir as minhas calças todos os dias.Tranca as portas as setes chaves –Lamentou. Lister que havia melhorado do pé, comentou.
- E as piadas que estão surgindo. Dona Ana Jaca em seu boteco deu para listar os homens que perderam as suas calças e coitada das mulheres desses homens, viraram alvo de chacotas e piadas.
Franzindo a sobrancelha para acender o seu cigarrinho de palha, o Sr. Osmar disse que a sua mulher anda à beira da loucura e foi até procurar o delegado.
- A minha mulher foi á delegada e falou ao delegado Pascoal Chaves que a cidade precisava voltar á normalidade e, ele a orientou.
- Estou sabendo das coisas. A cidade mudou a rotina. Sabemos dos sumiços de calças. Muitas mulheres vêm aqui reclamar da falta de calças. Acontece que não temos provas e pistas.. Isso virou um enigma.
Num dia daqueles o prefeito Coronel Zeca foi tirar satisfação do delegado.
- Como que o senhor não consegue por ordem na cidade? Já não aumentei o contigente de patrulheiros – perguntou e afirmou o prefeito
- Por acaso o senhor já resolveu os problemas dos mata burros. E as notícias que rolam na cidade das verbas que chegaram para fazer o prédio da cadeia, e até agora nada de cadeia.
- Mais respeito senão eu peço para o governador enviar o Tenente das Capturas à Vila, a fim de manda - lo para as bandas da Farinha Podre, para lá do rio Grande.
Enquanto conversavam, lá adiante a cachoeira Salto Belo soltava o seu cachoar, num cachoar pesado. Enquanto reinava a escuridão em redor da Vila, os homens se punham em mais uma noite de peregrinação em busca da Sereia, ou da sedutora que rouba calças. E muitos os precavidos com a bolsa a tiracolo.
Dona Lucélia passou a desconfiar de Cláudia a hospede de D. Clarinda. Organizou um grupo de pessoas para fazer vigília. Dona Lucélia alegava que podia ser ela a mulher sedutora, afinal, o que uma mulher viria fazer sozinha numa Vila
Mesmo assim, as amigas de Lucélia para lá foram antes das dez horas, viram a luz do quarto se apagar, quanto se via os besouros esvoaçando em silêncio, saindo do quarto á procura de outro lugar iluminado.
Enquanto isso todos estavam mais assustados com o crescente movimento .Homens e mais homens chegavam á cidade querendo perder as calças.O Coronel Alberto levou a família para os fundos de casa e transformou – a numa pousada. A sua pousada em pouco tempo estava totalmente lotada.O Capitão Cecílio também fez o mesmo e transformou o seu palacete em pensão.
Dona Lucélia sabendo que a zona do meretrício crescia na região da saída para Lagoa das Éguas, levou o seu grupo de amigos voluntários para ali averiguar, se ali havia alguma mulher que colecionava calças. Negativo! Nada de calças.
Quando as noites e noites tornavam-se escuras, sem a pálida luz do luar, brumosa, sem ouvir as rajadas de vento em que os quizos de cavalos tornassem mais salientes, ai era fácil ouvir pelas matas que circundavam a Vila, gritos e gritos como que de um doce vagido prazeroso.
As pessoas que estavam lucrando com o fenômeno dos roubos das calças faziam pressão contra D. Lucélia, faziam-na também pressão contra o delegado para que fizesse vistas grossas para com o caso.
O fenômeno na cidade espantava e tornava – se cada vez enigmático – Que mulher é essa? Tão sedutora e que gosta tanto de calças, que deve estar com uma loja de tanta calça que ajuntou – refletiu Geraldo em voz alta, falando aos amigos Osmar, Tales, Teixeira e Líster que estavam sentados no bando da pensão da D. Dinda.
Mas um dia, tudo acabou. A Vila voltou ao normal. A mulher sedutora parece que havia parado, os turistas deixaram a cidade, nem mais se ouvia notícias dos que perambulararam pela Vila. O senhor Maricas, Audaz, Cláudia também não eram vistos mais pelas ruas
- E vai entender o que acontecia? – perguntou Geraldo ao grupo de amigos numa noite sob o cúmplice luar de lua cheia e a algazarra das crianças, enquanto a luz do candelabro toldava o seu olhar penetrante e pensativo, enquanto se ouvia um tropel de cavalos em disparada seguindo por detrás da Igrejinha do Rosário.
- Como que a gente vai contar uma história dessas, histórias de uma Sereia sedutora, a Sereia do rio do Carmo – refletiu Lister.
Numa manhã, uma leve brisa soprava varrendo a sossegada Vila. Tão leve que levantava películas de poeira para o sossego dos cachorros que dormiam em frente ao casório do Largo.
Na Rua do Matadouro uma velha construção ganhava nova fachada arquitetônica e quando acabou a nova pintura do prédio, toda a população foi chegando devagarzinho, espantada com o nome da loja: “A Casa das Calças”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário